trecho da peça de Ricardo Guilherme sobre a atriz Gasparina Germano, atualmente em processo de ensaios pelo Grupo Formosura de Teatro, sob direção de Graça Freitas.
Já não se faz mais esse Teatro que a geração da Gasparina faz. Esse é o teatro do velho ensaiador e não do novo encenador. O teatro da época da Gasparina se baseia na tradição e o novo teatro se baseia é na imaginação. O teatro dela ainda está atrelado às convenções, sem apresentar rupturas. Ora, no teatro atual a cena deve ser autoral, ter um sentido de unidade conceitual, livre de todas as regras. É teatro de vanguarda e o que a Gasparina faz é teatro da velha-guarda. O teatro dela tem fórmulas e o novo teatro inventa as suas próprias formas. Esse Teatro que a Gasparina representa não tem forma nem revolução; é sempre a mesma fôrma. A Gasparina representa um teatro onde os atores ainda trabalham com o ponto, aquela figura que durante a apresentação fica com o texto na mão, soprando as falas que o elenco deve dizer. A Gasparina se destaca é nessa dramaturgia em que as personagens são tipos e se enquadravam em uma pré-determinada tipologia: o galã, a ingênua, o caricato, o vilão. Esse Teatro que a Gasparina representa já foi, não tem renovação. É um teatro que envelheceu. O teatro que a Gasparina representa ainda não sabe que já era, mas, enfim, é um teatro que já morreu.
CRÍTICO TEATRAL 02
Tradição não se mata, tradição não morre; se reprocessa. Não se rompe assim por decreto a relação do teatro com a sua história. O Teatro reprocessa as suas memórias. Não devemos perder o elo com o patrimônio cultural que a própria tradição do teatro construiu. O teatro tradicional popular que não se põe apenas no passado. Ao longo do tempo alguns procedimentos viram legado, regra e padrão, mas o fio da história do futuro se tece é com esses canais de reprocessamentos entre a contemporaneidade e a tradição.
(...)
NARRADOR
A vida não imitou a arte. E quem foi a antagonista dessa história? A nossa negligência com a memória. Ficamos de camarote, na platéia, vendo a atriz entrar em cena para representar o seu último papel, na trama. Assim na vida como no palco, Gasparina foi a ingênua que desconhece o desfecho do seu drama: ser um enrugado bibelô, entre os passantes e os camelôs, uma estranha no ninho da vida cotidiana, tão-somente uma anônima olimpiana, nos ermos, a esmo, criadora sem a sua criatura, senhora de triste figura, uma velha menina, entre os escombros de si mesma. Quem é que se lança e se apressa para trazer à tona aquela Gasparina submersa? Não importa. Dentro de nós ela está viva mesmo estando morta.
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