segunda-feira, 13 de julho de 2015

Botando Boneco

No Ceará , o Teatro de Bonecos - tradição de gestas populares que incorpora temas dos autos dramáticos, dos folguedos, das narrativas orais e do realismo fantástico - se consolidou como uma referência fundante de nossa identidade nas artes cênicas e vem sendo transfigurada em diversas formas de confecção e manipulação, desde os bonecos de fios, os de balcão, os gigantes, os marotes e, sobretudo, os mamulengos. 

Por variantes culturais de história e geografia, os mamulengos recebem diferentes denominações. No Rio Grande do Norte, por exemplo, são chamados de João Redondo, Benedito ou Babau; em São Paulo, de João Minhoca; em Minas Gerais, de Briguela. Na zona rural do Ceará, por alusão a um personagem recorrente em incontáveis enredos, os animados por mãos molengas costumam ser denominados de Cassimiro Coco. 
Herdeira de uma linhagem de anti-heróis, essa persona mamulengueira absorve e reprocessa seus protótipos ibéricos, reinventando-se na brasilidade que o faz personalizar a sagacidade transgressora capaz de subverter o status quo não apenas pelo uso da violência física, mas, sobretudo, pela força da artimanha maledicente e do argumento ladino.
Uma das matrizes da dramaturgia tradicional popular, o Cassimiro literalmente bota boneco. Suas peripécias nos demonstram o quanto os verbos brincar e representar são sinônimos, pois até mesmo as palavras brinquedo e brincadeira, quando alusivas às calungas e aos calungueiros, designam respectivamente o boneco e a representação que o manipulador empreende. 
Cassimiro pertence à estirpe de figuras ficcionais que nunca envelhecem, preservando incólume dentro de si, mesmo na maturidade, a meninice vocacional de uma tipologia na qual resistem, dentre outros, astutos como o João Grilo da literatura de cordel. E então, em face de suas astúcias, os espectadores se dão conta não tão-somente daquela infância atemporal, mas também, em contraposição, do embrutecimento que a alma menina pode sofrer ao deparar-se com os rituais da fase adulta. 
Por isso é que tocados pela sensação de alumbramento e estranheza ante o mundo que o Cassimiro Coco transmite, rimos todos nós com a trágica alegria de nos sabermos dialeticamente tão estranhos e ao mesmo tempo tão pertinentes à condição humana. 
Que surjam nas políticas públicas referentes ao Teatro novos fomentos de produção para a difusão do Teatro de Bonecos, arte milenar expressa em inúmeras civilizações de todos os continentes.

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