O fotógrafo que fotografa cena de Teatro não apenas registra a cena mas também a redimensiona na perspectiva de interpretá-la com um olhar seletivo sobre cenários, atores e personas.
A intervenção do fotógrafo sobre a ação dramática enseja significados na medida em que empresta sentidos ao que fotografa. As significações que emanam das fotografias, em interseção com a subjetividade de quem as vê, fazem a experiência de ver fotos de cena resultar em um exercício de intersubjetividade. A escrita icônica, com angulações, enquadramentos, composições e texturas, apela à nossa sensorialidade e cria estímulos à imaginação, pois o olhar do fotógrafo, embora sendo o recorte revelador de uma determinada visão, também esconde contextos, seleciona e secciona objetivos, na tentativa de direcionar o que deve ser visto, aliando precisão técnica à sensibilidade.
No livro Linguagem Fotográfica e Informação, Milton Guran compara os processos de composição em pintura aos da fotografia. Para Guran, enquanto o pintor vai adicionando elementos constitutivos no seu quadro, o fotógrafo vai eliminando de seu campo de visão os elementos não-essenciais da informação que capta. Um compõe acrescentando seletivamente seus dados de criação (processo aditivo) e o outro subtrai seletivamente do visor as referências secundárias (processo subtrativo), na intenção de destacar informações em detrimento de outras.
A fotografia, como extensão e ampliação potenciais do olho humano, se fundamenta na técnica por meio da qual se pode registrar, interpretar e representar a realidade. Valendo-se de uma definição de Edward Weston, Milton Guran afirma que o fotógrafo não se atém a uma mera transcrição do real “pois o poder da fotografia reside na sua capacidade de recriar o seu objeto nos termos da realidade básica dele, e de apresentar esta recriação de tal forma que o espectador sinta que está diante não apenas do símbolo daquele objeto mas da própria essência da natureza dele revelada’’.
Uma foto, portanto, seria o real recriado e não, como nas artes plásticas, o real idealizado, reinventado. Fotografar, como ensina Cartier-Bresson, (autor citado por Guran) “é simultaneamente e numa fração de segundos reconhecer o fato em si e organizar rigorosamente as formas visuais percebidas para expressar o seu significado’’.
Fotos coloridas e em preto e branco nos remetem a questões diferenciais de conceito quanto ao emprego ou não da cor em fotografia. Segundo Guran, “a fotografia em preto e branco representa a realidade enquanto a fotografia a cores pretende imitá-la’’. O uso das cores forjaria uma maneira de tentar mimetizar o real. Já a foto em preto e branco, no entanto, por ser uma representação e não uma cópia da realidade, constituiria um simulacro do que foi fotografado e não exatamente o que foi fotografado, em sua concretude de verossimilhança.
Para ele, na foto em cores os poderes interpretativo e representativo da fotografia seriam relegados a segundo plano porque a distinção significado/significante se neutralizaria numa espécie de mimetismo, como se a reprodução das cores nas fotografias coloridas fosse uma técnica camaleônica que busca reproduzir, de certo modo, a realidade que retrata. A foto em preto e branco, porém, se assumiria mais objetivamente enquanto código, linguagem que se reporta ao real sem tentar, como a foto em cores, se transfigurar em realidade camuflada.
De acordo com a argumentação de Guran, quando nos lembramos de um fato fotografado em preto e branco, nos lembramos da foto e quando nos lembramos de um fato fotografado a cores, nos lembramos do fato.
De um modo ou de outro, a foto de cenas teatrais recorta o real , na vã tentativa de eternizar o efêmero do teatro. Entretanto, como define Roland Barthes em A Câmara Clara, ‘‘uma foto é sempre invisível’’ pois não é a ela que vemos e sim aquele ou aquilo que foi fotografado. O que se eterniza na chamada fotografia de teatro não é nem poderia ser o efêmero inalienável da experiência cênica, mas a compreensão que o fotógrafo faz desta experiência ou, em última instância, a fotografia em si mesma.
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